15 de abr. de 2016

Angela Merkel aceita abertura de processo de Erdogan contra humorista alemão

Ângela Merkel e Erdogan.



Público, 15 de abril de 2016.



Chanceler deixa nas mãos da "justiça" a decisão sobre se o caso deve avançar ou ser arquivado e anuncia abolição da lei dos insultos aos líderes estrangeiros.

O Governo de Berlim decidiu autorizar a abertura do processo judicial contra um humorista alemão, Jan Boehmermann, pedido pela Turquia por ofensas ao Presidente Recep Erdogan. Porém, a chanceler explicou que a decisão de avançar ou não com o caso cabe à Procuradoria Geral e que a lei sobre insultos a chefes de Estado estrangeiros, usada por Ancara para pedir a punição do humorista, vai ser abolida até 2018. "Porque não é necessária", disse Angela Merkel.



Boehmermann, que é uma estrela da televisão alemã, tem um programa chamado Neo Magazin Royale na estação NDR. No dia 31 de Março, apresentou uma rábula sobre Erdogan na forma de canção, tendo a letra referências sexuais (pedofilia e zoófilia), a acusação de que o Presidente turco tem uma política de repressão das minorias curda e cristã. Antes da canção, o humorista denunciou — com humor — a forma como Erdogan trata os jornalistas. Vários jornalistas, directores de jornais e cartonistas foram presos e o Governo islamo-conservador da Turquia apoderou-se do controlo de vários órgãos de comunicação social conotados com a oposição.


A Turquia pediu imediatamente explicações à Alemanha, e exigiu que a chanceler avançasse com um processo criminal contra o humorista, ao abrigo de uma lei antiga (de quando a Europa era governada por reis "que se ofendiam facilmente", como diz o jornal The Guardian) que Merkel quer agora abolir.

A alínea 103 do Código Civil alemão criminaliza insultos a órgãos ou representantes de Estados estrangeiros — é tão raramente invocada que muitos políticos e advogados ouvidos pelo Guardian nem tinham percebido que existia.

Para accionar a lei é preciso uma queixa do ofendido (que foi feita) e uma autorização do Governo (que foi dada). O caso azedou as relações entre a Turquia e a Alemanha e tornou-se em mais um factor a perturbar a chamada grande coligação (que congrega a direita e a esquerda) dirigida por Merkel. Os parceiros (SPD e CDU, este da chanceler) não se entenderam quanto à concessão da autorização.

A chanceler foi acusada de estar a abrir uma brecha na liberdade de expressão, ao aceitar aplicar uma lei que muitos consideram ser anacrónica e que permitiu a Recep Erdogan processar um cidadão alemão. O que Angela Merkel fez foi por nas mãos da justiça a decisão de declarar desde já que, apesar da lei ainda existir, é anacrónica e desajustada da realidade.

O caso Boehmermann surge num momento particular da relação turco-alemã. Ancara chegou a anunciar a presença de Angela Merkel na inauguração de um campo de refugiados na Turquia no dia 23 de Março — depois da queixa turca contra o humorista, o porta-voz da chanceler disse que essa deslocação nunca esteve prevista. Fontes ouvidas esta sexta-feira pela AFP disseram que a visita se mantém e que, além de Merkel, irá a Kilis o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk,

Na altura da queixa, Merkel disse desejar que o caso não afectasse a relação Berlim-Ancara ou a relação UE-Turquia — Bruxelas fez um acordo com Erdogan para que este recebesse de volta os refugiados chegados à Europa depois de 20 de Março, pagando a Ancara seis mil milhões de euros para a criação de infra-estruturas de acolhimento a migrantes e refugiados.


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